Passa pouco mais das 17:00 horas,
uma multidão segue rumo ao centro da cidade. Todos movidos por um dos maiores
venenos da humanidade: A Curiosidade. Cerca de aproximadamente dez minutos,
duas grandes bolas de fogo cruzaram o céu da cidade, dirigindo-se para o centro
da cidade. Eu estava lavando o carro quando senti o deslocamento de ar, pouco
depois veio o barulho ensurdecedor, pensei que seria o meu fim, mas por sorte
ou azar, os dois objetos em chamas seguiram seu destino até que colidirem com o
solo quilômetros à frente. Agora sou apenas mais um curioso seguindo a multidão
cega ladeira à cima.
Conforme vou me aproximando do
local da queda, vejo carros da polícia, bombeiros e mais curiosos, todos com
cara de espanto e perplexidade. Uma cidade tão pacata situada no meio do nada,
até então deliciando-se em sua singela rotina de um comum sábado de verão,
agora mais parece uma Woodstock sem o rock n roll. Sinto-me estranho, um leve
zunido no ouvido, uma tontura aqui, outra ali. Penso que deve ser a emoção por
presenciar tal evento, afinal algo caíra do céu e certamente não eram anjos
alados, pois anjos alados não se viajam em esferas de fogo.
Estou cerca 500 metros do local,
vejo a trilha de destruição e caos deixada pelos objetos flamejantes. Desvio-me
do caminho para ajudar uma senhora que estava presa sob o que parecia ser uma
barraquinha de cachorro-quente, soube mesmo antes de ler o letreiro, devido ao
cheiro do molho e das salsichas espalhadas pela calçada. Você está bem? Pergunto
ajudando-a a se levantar, ela respondeu que sim com a cabeça, em seus olhos
assustados ela me agradeceu e seguiu seu rumo, mancando. Deixe-me sair, sozinho
você não dará conta. Virei-me para ver quem falava, porém não havia ninguém que
poderia estar falando comigo, apenas os curiosos seguindo para o centro, e os
feridos sentados na calçada ou indo em direção oposta. Se não conseguir me
libertar à tempo, nós dois vamos morrer. Mais uma vez viro de costas para localizar
a voz, mas sem sucesso, não havia ninguém ali.
Que merda está acontecendo, penso
eu. Sinto-me estranho, minha visão fica embaçada, balanço a cabeça a fim de recuperar
o foco. De repente todas as cores somem da imagem que se projeta à minha frente,
sinto-me angustiado. Fico ereto e olho em direção à base da cratera formada
pelo recente incidente, meu corpo projeta-se a passos firmes em direção ao
desastre. Não sinto meu corpo, parece que sou apenas um passageiro preso nesse
receptáculo em movimento, tento inutilmente controlar minhas pernas, mas sem
nenhum sucesso. Meu deus o que está acontecendo comigo? Pergunto-me
desesperado. Minha cabeça vira-se levemente e vejo corpos caídos, quanto mais
perto chego, mais corpos estão espalhados. Não sei se são feridos ou mortos,
com a visão dicromatica fica difícil distinguir. Sinto a culpa corroer o meu
ser quando meu corpo robotizado e sem a minha consciência para guiá-lo, passa
por cima dos cadáveres estendidos no chão. É notório o aumento da minha
temperatura corporal. Minha cabeça abaixa sutilmente e olha para as mãos que
outrora ajudaram uma senhora a sair debaixo de um carrinho de cachorro-quente. Noto
que meus braços começam a exalar uma leve bruma, minha boca sorri. Nesse momento
as cores retornam à minha visão e eu caio de cara no chão. Sinto o sangue quente
escorrer do meu nariz, meu rosto dói. Levanto-me e olho minhas mãos, a bruma
que a pouco emanava agora já não mais existe. Pergunto-me o que poderia ter
sido aqui. Será que isso tem a ver com os objetos que vi cruzando o céu minutos
atrás? Recolho até a última gota de coragem que resta em meu corpo e olho de
forma decidida para o centro do local da queda, ergo-me cerrando os punhos e sigo
determinado ao encontro do desconhecido.
Chego ao local, o cheiro de
corpos queimando, torna o que antes era uma bela praça em uma verdadeira imagem
de como poderia ser o inferno descrito pelas diversas religiões.
Definitivamente não são anjos caídos do paraíso. Os objetos ainda estão em
estado flamejante e distam entre si a uma distancia de 10 metros
aproximadamente. Mesmo com todo o caos e morte ao redor, as duas esferas em
chamas proporcionam uma visão única. Enquanto admiro aquelas esferas de fogo a
queimar no fundo da cratera, sinto-me tonto novamente, mais uma vez minha visão
fica turva e caio de joelhos. Tudo fica escuro, estou consciente, mas não
consigo enxergar, sinto meu corpo levantando e ficando enrijecido, sinto todos
os cheios possíveis, sinto o calor que emana das esferas ardentes abaixo. Aos
pouco minha visão é restabelecida, só que novamente vejo tudo em uma escala
monocromática. Minha cabeça se vira e encara as demais pessoas ali. Fujam ou
todos vão morrer. Essa não é a minha voz. Provavelmente é a sensação mais
estranha que já senti. Palavras saindo da minha boca que não foram ditas por
mim. Mais uma vez sinto meu corpo arder, não tenho domínio sob meus membros, sou
mais uma vez um passageiro em meu corpo guiado por alguma coisa. Escute bem seu
idiota fracote. Dessa vez minha boca não se moveu, ouvia aquelas palavras sem
usar os meus ouvidos. Nesse momento percebi que era a mesma voz que falara
comigo quando salvava a senhora em apuros. Escute bem o que lhe digo seu saco
de carne inferior. Fui tomado por um medo surreal. Aquela voz estava vindo
diretamente da minha cabeça, tentei mais uma vez retomar o controle do meu
corpo, e novamente falhei. Não tente vir à tona, se você o fizer, todos nós
morreremos. Você me entendeu? Não sei como responder uma vez que não tenho
controle sobre minha boca, então em pensamento digo que entendi. E então a voz
retorna dizendo: Vejo que ainda está ai e consciente, talvez você queira
apreciar uma boa negociação intergaláctica. Se eu pudesse sentir a minha
espinha, com certeza ela estaria congelada de medo. Sinto meu corpo saltar para
dentro da cratera onde ainda encontram-se as duas esferas em chamas.
Meu corpo pousa como se fosse uma
pluma. Sinto outra a temperatura do meu corpo aumentar, é um calor diferente,
estranho. O que você esta fazendo com o meu corpo? Pergunto para o nada, e em
segundos recebo a resposta. Salvando o seu mundo, agora por favor, queria ficar
quieto. Seu corpo não é tão forte, por isso não me interrompa novamente. Algo
chama a atenção dos meus olhos, a luz produzida pelas chamas das esferas se
apaga. Meu medo escala juntamente com a minha curiosidade. Sinto uma energia
estranha emanando do meu corpo, nunca sentira nada parecido. Vamos lá! Diz a
voz em uma mistura de alegria e ansiedade.
Minha cabeça se posiciona a fitar
as esferas, meu olhar está direcionado e bem centrado na esfera mais próxima.
Minha visão monocromática não possibilita que eu identifique de que cor são as
esferas. Meu corpo permanece imóvel, firme e atento. De repente um ponto de luz
surge perto do topo da esfera. Esse ponto de luz se divide em dois, distanciando-se
um do outro de forma simétrica. Quando esses feixes de luz eqüidistantes atingiram
uma determinada largura, seguiram-se para baixo, mantendo a distancia entre si,
percebi o que estava acontecendo e simplesmente disse: Uma porta, a luz está
formando uma porta. A voz veio ríspida e alta em minha mente. Calado, por acaso
você quer morrer? Calei-me no mesmo instante, aguardando com certa ansiedade o
que sairia daquela esfera.
Quando os feixes concluíram o
ciclo, formando um retângulo. A luz subitamente apagou e o retângulo antes
delimitado pelas luzes, começou a se tornar translúcido. E de dentro da esfera
surge uma criatura humanóide, longos braços e longas pernas, uma cor próxima ao
azul escuro. A criatura parece estar meio desorientada, aparenta ter mais de
dois metros. Percebo que ela olha para todos os lados, parece ter certa
admiração pelo que vê. Mas quando seus olhos fitam os meus, a criatura a minha
frente toma uma postura defensiva. Mantenho os olhos fixos naquele estranho ser
a minha frente, por alguns segundos nada acontece, parece que ela está me
examinando, me sinto completamente desconfortável sob aquele olhar perturbador.
Mas segundos depois, a criatura sai da postura defensiva, seu olhar examinador continua
pairando sobre meu corpo. A criatura exibi o que suponho ser um pequeno
sorriso, fala algo em uma língua que nenhum filme que eu tenho visto consiga se
aproximar. Quando a criatura vira de costa a fim de embarcar novamente na
esfera, meus olhos movem-se sem o meu consentimento, e fitam a segunda esfera que já encontra-se aberta.
Nesse momento entro em pânico. A única coisa que vejo é um borrão azul escuro à
minha frente, sinto um forte golpe que me arremessa cratera acima. Meu corpo
voa por mais de 15 metros de altura. Quando paro de subir, sinto apenas a dor
no meu peito. Sei que é o fim, penso. Sigo em direção ao chão que se aproxima
velozmente. Nenhum humano sobreviveria à isso. Se eu tivesse controle dos meus
olhos, com certeza iria fechá-los, mas meus olhos não focalizavam o chão e sim
a segunda criatura que agora estava de pé à beira da cratera, a observar a minha
queda. Meus olhos rapidamente focam o chão e eu penso “é agora”. Só que faço um
movimento extremante rápido e como se fosse um bailarino, pouso suavemente no
terreno cheio de corpos espalhados. Sinto alegria por estar vivo, mesmo não
sendo mais o dono do meu corpo. E aí humano? Pergunta-me a voz na minha cabeça.
Estamos pronto?
Muito bom mesmo !!!!
ResponderExcluirBastante psicodélico, adorei....
ResponderExcluirAdorei, fiquei super curiosa para saber o que estava acontecendo com ele ! Ps: adorei a riqueza de detalhes na descrição das cenas
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirE o tipo de texto que mexe com minha imaginação. Lê-lo me deu vontade de saber qual seria o próximo passo, qual seria o objetivo desses seres aqui na Terra. Parabéns, muito bom!
ResponderExcluirBoa criatividade 100%
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirNenhum humano sobreviveria à isso. Se eu tivesse controle dos meus olhos, com certeza iria fechá-los, mas meus olhos não focalizavam o chão e sim a segunda criatura que agora estava de pé à beira da cratera, a observar a minha queda. Meus olhos rapidamente focam o chão e eu penso “é agora”.
Brother, fodaaaaaaaaaa!
ResponderExcluirÉ realmente angustiante imaginar como deve ser sentir-se um mero passageiro no próprio corpo. Aguardando por mais. Espero que em breve :)
ResponderExcluirIncrível! Adorei...
ResponderExcluirO texto é contagiante, a gente não consegue parar de ler... kkkkkk...
"E aí humano? Estamos pronto?" Aguardando a continuação.
ResponderExcluirMe senti assistindo um episódio de Black Mirror. Muito bom mesmo.
ResponderExcluirMuito bom, rico em detalhes que nos prendem do começo ao fim.👏👏👏
ResponderExcluirMuito bom !! Palmas, palmas, palmas!!!
ResponderExcluireta peste....que venha a continuação...
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