domingo, 2 de setembro de 2018

O porco de madeira versus o dragão de metal


Era uma vez um grande e majestoso dragão. Ele tinha longas asas, garras e de sua bocarra era capaz de fazer sair fogo, como qualquer dragão. Mas esse não era um dragão qualquer, era um dragão de metal. Seu enorme corpo era coberto por uma maciça liga de metal, dando dois aspectos singulares àquela criatura: primeiro, ele era assoladoramente belo. Incontáveis fileiras de placas hexagonais metálicas dos mais variados tamanhos faziam às vezes de escamas. Além do que, o reflexo da luz do sol ou da luz do sol através da lua sobre aquela superfície cromada brilhava sublimemente; segundo, as propriedades físicas do metal tornavam-no inexpugnável. Com efeito, em toda sua vida, ele nunca houvera sido ferido. Mesmo a íris ou a membrana mais fina de suas asas, onde um dragão comum poderia ser vulnerável, eram feitas de metal.

Era verão e o dragão de metal vagava despreocupado pelo céu. Até que, bem abaixo de si, avista uma enorme construção de pedra. Por conta da distância, a única coisa que ele conseguiu determinar é que tinha uma forma oval. Resolveu então, aproximar-se.  Enquanto descia se deu conta de que em volta daquela construção, na verdade, havia várias outras menores. Tratava-se de uma vila. Aquilo que havia chamado sua atenção ficava no meio da vila e muitas vozes vinham de lá. Voando tão baixo quanto o topo daquela forma oval, percebeu que ela era formada por uma série de degraus nas bordas e era vazia no meio. Os degraus estavam ocupados por centenas de animais que assistiam um confronto que ocorria no centro. Com a chegada do dragão, todos olharam para cima, horrorizados. O grande corpo do dragão cobria o sol projetando uma enorme sombra por toda a arena. Por alguns segundos houve silêncio.

Então lentamente, como se negligenciasse toda aquela atenção, o dragão se deixou cair e pousou no lamacento chão. Os dois gladiadores, um leão de pedra e um, já ferido, touro de pano tinham o olhar fixos à nova ameaça. O primeiro a se mover foi o touro que apesar do enorme corte na barriga, arremeteu com toda velocidade em direção ao dragão. Este, percebendo a aproximação, encheu o peito de ar, e quando abriu a boca em seguida, uma rajada de fogo seguiu, e tudo que se viu do touro foram cinzas e uma fumaça de cheiro impregnante.

Ao assistir aquilo o leão reuniu toda sua bravura e saltou, tão rápido quanto pôde, mirando o pescoço do dragão. Com uma forte bocada ele cravou os dentes na besta, ao mesmo tempo em que sacudiu a mandíbula. Metal rangeu, faíscas rolaram, mas o dragão não esboçava reação de dor, de fato aquilo não o feria. Com o leão ainda preso no seu pescoço, o dragão deu um salto e se pôs a bater asas e voar para cada vez mais alto. Quando o leão se deu conta do que o outro animal estava planejando eles já estavam acima da parte mais alta da arena. O dragão, então, chacoalhou o corpo, enquanto o leão ainda tentava se prender com as garras, mas não teve jeito, o leão caiu de lá de cima despedaçando-se. O agudo som do choque foi acompanhado pelo som de pavor da plateia. E em seguida silêncio.

O dragão voltou a aterrissar. Olhou em volta como se inspecionasse a plateia, foi então que viu uma plataforma de pedra próxima à entrada da arena, em cima dela havia uma estátua de pedra com as formas de um leão como que estivesse a rugir. Ele não sabia, mas aquela era uma estátua erigida em homenagem ao campeão da arena. O dragão se aproximou e com um golpe de calda pôs a estátua abaixo, e tomando o lugar da estátua começa a jogar fogo em direção aos céus. Como resultado de uma mistura de medo e deslumbre, os espectadores vibram e saúdam.

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Estava quente, muito quente. Mas para o porco de madeira, insuportavelmente quente, aquele devia ser o dia mais quente de todo o verão. Ele já procurara em todo canto da vila por um pouco de lama. O pouco que fosse, contanto que achasse lama era tudo o que passava em sua mente agora. Perguntou a todos, checou de sombra em sombra, revirou, mas nenhum pouco de lama era achado. Foi então que a serpente de areia veio até ele:

- Eu soube que você procura por lama. Pois bem, eu sei onde você pode encontrar.
- Onde? - Perguntou o porco prontamente.
- Na arena, respondeu a serpente sibilando um s no final da palavra. – Na arena, repetiu, você pode se esbaldar na lama.
- Mas não é perigoso? O porco franziu o cenho em estranhamento.
- Que nada! Disse a serpente de forma zombeteira, não há mais nenhuma batalha ocorrendo lá, eu sou o dono daquele lugar, eu saberia. E de novo fazia soar longos ésses nas palavras. De todo modo, continuou, espere aqui, eu vou na frente para ter certeza de que tudo esteja certo pra sua chegada.
- Oinc, Oinc respondeu o porco, muito obrigado.

A serpente de areia partiu então em direção à arena. Assim que saiu da vista do porco, a serpente começou a chamar todos os animais, para o que ele anunciava como uma luta imperdível.

                - Sim, venham todos! Venham ver o dragão de metal trucidar um novo desafiante, dizia enquanto seguia para a arena, e uma multidão o acompanhava. 

De fato, fazia tempo que não havia nenhuma batalha na arena. Desde que o dragão de metal havia chegado ninguém era tolo o bastante para desafiá-lo. A criatura continuava lá, deitada na plataforma, como se guardasse o lugar. E por conta de tudo isso, os negócios da serpente andavam muito mal. Mas ela planejava resolver isso com o “espetáculo” de logo mais.

Passado pouco tempo todos estavam em seus lugares, esperando para ver quem seria o tal guerreiro capaz de enfrentar o dragão de metal. Logo em seguida, o porco de madeira entra correndo na arena. Ao subir os degraus que davam acesso à entrada e ver aquele monte de lama, o suíno tinha partido em euforia para o tão aguardado banho refrescante.

Por conta de galerias aquíferas subterrâneas, uma poça no meio da arena ainda não secara, mesmo com todo aquele sol. E foi pra lá que ele correu, se jogou sobre a lama, e oinc-oincou.  Neste momento, uma cacofonia de risadas irrompeu. Todos começaram a rir daquela cena, mas principalmente riam da ignorância do porco. Como não ririam? Não importa como eles olhassem, era impossível para um porco e quanto mais um de madeira, ter chances contra um dragão e quanto mais um de metal: Uma simples faísca das chamas do dragão e fogo se alastraria por todo o corpo do porco; Um simples pisar, de uma das enormes patas de metal do dragão, e crack - o porco seria feito em pedaços. De sobressalto, o porco de madeira acorda do seu banho de frescor e olha em volta, percebendo a plateia pela primeira vez, se perguntando por que todos estavam ali e por que todos estavam rindo. Continua olhando em volta até que vê próximo à entrada, por onde ele tinha vindo, uma plataforma, sim, uma grande plataforma de pedra em que repousava aquela criatura terrivelmente bela e poderosa. Não pode ser, pensou, aquilo só pode ser uma estátua em homenagem ao último campeão.  Não era surpresa ele pensar assim, a criatura não se movia. O dragão de metal repousava de tal forma que mais parecia estar pousando de estátua para sua própria glória, afinal que estátua representaria tão bem algo tão incrível? De todo modo, aquilo ainda não explicava toda aquela gente, a serpente havia dito que não havia mais batalhas, logo não deveria haver mais ninguém lá. O animal de madeira correu o olhar então tentando encontrar a serpente. Virou-se e, atrás de si havia um lugar em destaque, lá viu a serpente de areia, sibilando e rindo. Nesse mesmo instante, sentiu subitamente um calor crescer em suas costas, no ínfimo segundo em que estava no meio do percurso de voltar à posição original e ver o que era, viu pelo canto dos olhos que um enorme jato de fogo vinha em sua direção. No susto, desengonçadamente recolheu as patas e pôs-se a rolar, aproveitando o formato de barril de seu corpo. Girou e desviou por muito pouco das chamas. Ouve-se o “UUUH!” da multidão. Se fosse um porco qualquer já estaria morto, mas ele era um porco de madeira e aquilo significava algo. Entretanto, só aquilo não seria o bastante contra aquela fera.

Na mente do porco de madeira só passava uma coisa: morte iminente. Ele se revezava entre se contorcer e chiar, enquanto isso o dragão de metal levantava-se de sua posição, como ela ficava muito próximo da única saída, o animal menor estava confinado. Numa tentativa desesperada, o porco começa a usar os cascos de madeira para cavar a poça de lama, em sua mente simplista, ele se enterraria e o dragão iria embora, como quando uma criança usa um cobertor para se cobrir do bicho papão. Em resposta, o dragão desceu da plataforma e começou a rodear o porco de madeira, regozijando-se em quão débil o outro animal era. Por fim, usou uma das patas dianteiras para descer um único golpe na lama.  Era o fim. O dragão rosnou para os céus e seguiram-se os energéticos vivas da arquibancada. Contrariando todas as expectativas, o porco de madeira saiu guinchando e correndo do meio da poça de lama, sua cor amarronzada havia se misturado à lama e confundido o dragão.

 Ao ver aquilo o dragão de metal fica impaciente. Ele sobe ao ar para ganhar altura e mergulha em um rasante buscando terminar aquilo por tostar o porco com um jato de fogo sem escapatória. Naqueles segundos que pareciam horas, o porco de madeira corria desesperado à frente enquanto o dragão de metal se aproximava cada vez mais. Quando não havia mais que um metro de distância entre eles, o perseguidor vagarosamente abriu bem a boca e começou a puxar o ar para lançar as derradeiras chamas. Assim que o porco de madeira percebeu o terrível animal tão perto, aqueles dentes à mostra, e sua vida por um fio, ele temeu tanto pela vida que involuntariamente, abriu a portinhola que ficava na sua traseira e bufou. Mas aquela não era uma bufa qualquer, afinal ele era um porco de madeira, a levedura em seu organismo eram exponencialmente mais eficientes e se adaptando ao ambiente de madeira, fermentavam por mais tempo. Assim que aquela nuvem verde foi tragada, houve um forte estrondo. O metano em contato com o fogo no núcleo do dragão expandiu-se, entrou em combustão, implodindo assim o dragão de metal. O dragão caiu ao solo, derrotado, para o choque de todos, inclusive, do porco de madeira.

Naquela mesma tarde, por todas as ruas da vila, de boca em boca, corria a história de como um porco de madeira derrotara um dragão de metal. Contava-se também, sobre como a serpente de areia havia perdido todas suas economias, isso incluía o direito sobre a Arena, por apostar tudo na vitória do dragão. Enquanto isso, o famigerado gladiador se esbaldava na tão sonhada poça de lama.

Um comentário:

  1. Um duelo épico com criaturas inusitadas, um verdadeiro exemplo de fantasia.

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