Era uma vez um grande e majestoso dragão. Ele tinha
longas asas, garras e de sua bocarra era capaz de fazer sair fogo, como
qualquer dragão. Mas esse não era um dragão qualquer, era um dragão de metal.
Seu enorme corpo era coberto por uma maciça liga de metal, dando dois aspectos
singulares àquela criatura: primeiro, ele era assoladoramente belo. Incontáveis
fileiras de placas hexagonais metálicas dos mais variados tamanhos faziam às
vezes de escamas. Além do que, o reflexo da luz do sol ou da luz do sol através
da lua sobre aquela superfície cromada brilhava sublimemente; segundo, as
propriedades físicas do metal tornavam-no inexpugnável. Com efeito, em toda sua
vida, ele nunca houvera sido ferido. Mesmo a íris ou a membrana mais fina de
suas asas, onde um dragão comum poderia ser vulnerável, eram feitas de metal.
Era verão e o dragão de metal vagava despreocupado
pelo céu. Até que, bem abaixo de si, avista uma enorme construção de pedra. Por
conta da distância, a única coisa que ele conseguiu determinar é que tinha uma
forma oval. Resolveu então, aproximar-se.
Enquanto descia se deu conta de que em volta daquela construção, na
verdade, havia várias outras menores. Tratava-se de uma vila. Aquilo que havia
chamado sua atenção ficava no meio da vila e muitas vozes vinham de lá. Voando
tão baixo quanto o topo daquela forma oval, percebeu que ela era formada por
uma série de degraus nas bordas e era vazia no meio. Os degraus estavam
ocupados por centenas de animais que assistiam um confronto que ocorria no
centro. Com a chegada do dragão, todos olharam para cima, horrorizados. O
grande corpo do dragão cobria o sol projetando uma enorme sombra por toda a
arena. Por alguns segundos houve silêncio.
Então lentamente, como se negligenciasse toda aquela
atenção, o dragão se deixou cair e pousou no lamacento chão. Os dois
gladiadores, um leão de pedra e um, já ferido, touro de pano tinham o olhar
fixos à nova ameaça. O primeiro a se mover foi o touro que apesar do enorme
corte na barriga, arremeteu com toda velocidade em direção ao dragão. Este,
percebendo a aproximação, encheu o peito de ar, e quando abriu a boca em
seguida, uma rajada de fogo seguiu, e tudo que se viu do touro foram cinzas e
uma fumaça de cheiro impregnante.
Ao assistir aquilo o leão reuniu toda sua bravura e saltou,
tão rápido quanto pôde, mirando o pescoço do dragão. Com uma forte bocada ele
cravou os dentes na besta, ao mesmo tempo em que sacudiu a mandíbula. Metal
rangeu, faíscas rolaram, mas o dragão não esboçava reação de dor, de fato
aquilo não o feria. Com o leão ainda preso no seu pescoço, o dragão deu um
salto e se pôs a bater asas e voar para cada vez mais alto. Quando o leão se
deu conta do que o outro animal estava planejando eles já estavam acima da
parte mais alta da arena. O dragão, então, chacoalhou o corpo, enquanto o leão
ainda tentava se prender com as garras, mas não teve jeito, o leão caiu de lá
de cima despedaçando-se. O agudo som do choque foi acompanhado pelo som de
pavor da plateia. E em seguida silêncio.
O dragão voltou a aterrissar. Olhou em volta como se
inspecionasse a plateia, foi então que viu uma plataforma de pedra próxima à
entrada da arena, em cima dela havia uma estátua de pedra com as formas de um
leão como que estivesse a rugir. Ele não sabia, mas aquela era uma estátua
erigida em homenagem ao campeão da arena. O dragão se aproximou e com um golpe
de calda pôs a estátua abaixo, e tomando o lugar da estátua começa a jogar fogo
em direção aos céus. Como resultado de uma mistura de medo e deslumbre, os espectadores vibram e saúdam.
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Estava quente, muito quente. Mas para o porco de
madeira, insuportavelmente quente, aquele devia ser o dia mais quente de todo o
verão. Ele já procurara em todo canto da vila por um pouco de lama. O pouco que
fosse, contanto que achasse lama era tudo o que passava em sua mente agora.
Perguntou a todos, checou de sombra em sombra, revirou, mas nenhum pouco de
lama era achado. Foi então que a serpente de areia veio até ele:
- Eu soube que você procura por
lama. Pois bem, eu sei onde você pode encontrar.
- Onde? - Perguntou o porco
prontamente.
- Na arena, respondeu a serpente
sibilando um s no final da palavra. – Na arena, repetiu, você pode se esbaldar
na lama.
- Mas não é perigoso? O porco
franziu o cenho em estranhamento.
- Que nada! Disse a serpente de
forma zombeteira, não há mais nenhuma batalha ocorrendo lá, eu sou o dono
daquele lugar, eu saberia. E de novo fazia soar longos ésses nas palavras. De
todo modo, continuou, espere aqui, eu vou na frente para ter certeza de que
tudo esteja certo pra sua chegada.
- Oinc, Oinc respondeu o porco,
muito obrigado.
A serpente de areia partiu então em direção à arena.
Assim que saiu da vista do porco, a serpente começou a chamar todos os animais,
para o que ele anunciava como uma luta imperdível.
- Sim, venham todos! Venham ver o
dragão de metal trucidar um novo desafiante, dizia enquanto seguia para a
arena, e uma multidão o acompanhava.
De fato, fazia tempo que não havia nenhuma batalha na
arena. Desde que o dragão de metal havia chegado ninguém era tolo o bastante
para desafiá-lo. A criatura continuava lá, deitada na plataforma, como se
guardasse o lugar. E por conta de tudo isso, os negócios da serpente andavam
muito mal. Mas ela planejava resolver isso com o “espetáculo” de logo mais.
Passado pouco tempo todos estavam em seus lugares,
esperando para ver quem seria o tal guerreiro capaz de enfrentar o dragão de
metal. Logo em seguida, o porco de madeira entra correndo na arena. Ao subir os
degraus que davam acesso à entrada e ver aquele monte de lama, o suíno tinha
partido em euforia para o tão aguardado banho refrescante.
Por conta de galerias aquíferas subterrâneas, uma
poça no meio da arena ainda não secara, mesmo com todo aquele sol. E foi pra lá
que ele correu, se jogou sobre a lama, e oinc-oincou. Neste momento, uma cacofonia de risadas
irrompeu. Todos começaram a rir daquela cena, mas principalmente riam da
ignorância do porco. Como não ririam? Não importa como eles olhassem, era
impossível para um porco e quanto mais um de madeira, ter chances contra um
dragão e quanto mais um de metal: Uma simples faísca das chamas do dragão e
fogo se alastraria por todo o corpo do porco; Um simples pisar, de uma das
enormes patas de metal do dragão, e crack
- o porco seria feito em pedaços. De sobressalto, o porco de madeira acorda do
seu banho de frescor e olha em volta, percebendo a plateia pela primeira vez,
se perguntando por que todos estavam ali e por que todos estavam rindo. Continua
olhando em volta até que vê próximo à entrada, por onde ele tinha vindo, uma
plataforma, sim, uma grande plataforma de pedra em que repousava aquela
criatura terrivelmente bela e poderosa. Não
pode ser, pensou, aquilo só pode ser
uma estátua em homenagem ao último campeão.
Não era surpresa ele pensar assim, a criatura não se movia. O dragão de
metal repousava de tal forma que mais parecia estar pousando de estátua para
sua própria glória, afinal que estátua representaria tão bem algo tão incrível?
De todo modo, aquilo ainda não explicava toda aquela gente, a serpente havia
dito que não havia mais batalhas, logo não deveria haver mais ninguém lá. O
animal de madeira correu o olhar então tentando encontrar a serpente. Virou-se
e, atrás de si havia um lugar em destaque, lá viu a serpente de areia,
sibilando e rindo. Nesse mesmo instante, sentiu subitamente um calor crescer em
suas costas, no ínfimo segundo em que estava no meio do percurso de voltar à
posição original e ver o que era, viu pelo canto dos olhos que um enorme jato
de fogo vinha em sua direção. No susto, desengonçadamente recolheu as patas e
pôs-se a rolar, aproveitando o formato de barril de seu corpo. Girou e desviou
por muito pouco das chamas. Ouve-se o “UUUH!” da multidão. Se fosse um porco
qualquer já estaria morto, mas ele era um porco de madeira e aquilo significava
algo. Entretanto, só aquilo não seria o bastante contra aquela fera.
Na mente do
porco de madeira só passava uma coisa: morte iminente. Ele se revezava entre
se contorcer e chiar, enquanto isso o dragão de metal levantava-se de sua
posição, como ela ficava muito próximo da única saída, o animal menor estava
confinado. Numa tentativa desesperada, o porco começa a usar os cascos de
madeira para cavar a poça de lama, em sua mente simplista, ele se enterraria e
o dragão iria embora, como quando uma criança usa um cobertor para se cobrir do
bicho papão. Em resposta, o dragão desceu da plataforma e começou a rodear o
porco de madeira, regozijando-se em quão débil o outro animal era. Por fim, usou
uma das patas dianteiras para descer um único golpe na lama. Era o
fim. O dragão rosnou para os céus e seguiram-se os energéticos vivas da
arquibancada. Contrariando todas as expectativas, o porco de madeira saiu
guinchando e correndo do meio da poça de lama, sua cor amarronzada havia se
misturado à lama e confundido o dragão.
Ao ver aquilo
o dragão de metal fica impaciente. Ele sobe ao ar para ganhar altura e mergulha
em um rasante buscando terminar aquilo por tostar o porco com um jato de fogo
sem escapatória. Naqueles segundos que pareciam horas, o porco de madeira
corria desesperado à frente enquanto o dragão de metal se aproximava cada vez
mais. Quando não havia mais que um metro de distância entre eles, o perseguidor
vagarosamente abriu bem a boca e começou a puxar o ar para lançar as
derradeiras chamas. Assim que o porco de madeira percebeu o terrível animal tão
perto, aqueles dentes à mostra, e sua vida por um fio, ele temeu tanto pela
vida que involuntariamente, abriu a portinhola que ficava na sua traseira e
bufou. Mas aquela não era uma bufa qualquer, afinal ele era um porco de
madeira, a levedura em seu organismo eram exponencialmente mais eficientes e se
adaptando ao ambiente de madeira, fermentavam por mais tempo. Assim que aquela
nuvem verde foi tragada, houve um forte estrondo. O metano em contato com o
fogo no núcleo do dragão expandiu-se, entrou em combustão, implodindo assim o
dragão de metal. O dragão caiu ao solo, derrotado, para o choque de todos,
inclusive, do porco de madeira.
Naquela mesma tarde, por todas as ruas da vila, de
boca em boca, corria a história de como um porco de madeira derrotara um dragão
de metal. Contava-se também, sobre como a serpente de areia havia perdido todas
suas economias, isso incluía o direito sobre a Arena, por apostar tudo na
vitória do dragão. Enquanto isso, o famigerado gladiador se esbaldava na tão
sonhada poça de lama.
Um duelo épico com criaturas inusitadas, um verdadeiro exemplo de fantasia.
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